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Dia aberto no Lar dos Rapazes - Contributo de Joana Simões de Almeida

Recebi hoje um texto de Joana Simões de Almeida bastante simpático sobre a iniciativa "Dia Aberto" promovida pela Santa Casa da Misericórdia de Santarém no ultimo mês de Maio. Achei que pela pertinência do mesmo deveria aqui ser publicado.

"A propósito da comemoração dos 505 anos de existência da Santa Casa da Misericórdia de Santarém, a Fundação “O Século” recebeu um original convite do Lar de Rapazes para acompanhar alguns técnicos de instituições do nosso país, para juntos pensar-mos sobre os problemas e as potencialidades da institucionalização de crianças em risco. Foi criado um grupo de trabalho multidisciplinar, com profissionais de várias instituições que trabalham na área da infância e juventude, e deu-se início a um debate de ideias, rico e organizado. Sendo a temática das crianças em risco extremamente actual, vasta e complexa, a abordagem que se fez baseou-se na experiência dos técnicos que, partindo dos seus conhecimentos e bases teóricas, desenvolvem acções no sentido de modificar os ciclos de degradação e ausência de projectos de vida futuros destas crianças.

A existência de casas de acolhimento de crianças foi descrita como um “mal menor” que se justifica porque a criança ainda se encontra muitas vezes submetida a uma autoridade excessiva por parte dos adultos, autoridade esta que frequentemente se traduz nas mais diversas formas de abuso e negligência. A comprovar esta situação está seguramente o aparecimento de associações ligadas ao problema das crianças em risco e do respeito dos seus direitos, assim como os constantes apelos da comunicação social que, embora com carácter sensacionalista, chamam a atenção do público e do Governo para esta realidade.

Foi discutido o perfil das crianças que vivem nas nossas instituições (nas nossas casas de acolhimento), chegando-se à conclusão que estas são na sua maioria conhecedoras de experiências traumatizantes que se revelam posteriormente em comportamentos desviantes e numa ruptura total ou parcial com a família, escola, amigos e sociedade. De entre as vivências traumatizantes vividas por estes menores destacaram-se as situações de abandono por parte da família, negligência e maus-tratos sofridos, a delinquência, a precariedade habitacional, a desorganização familiar e os abusos a que são submetidos. Pela história de abandono que conheceram pessoalmente, são crianças que têm medo de falar, de olhar nos olhos, de gostar, de confiar. Vítimas de perdas emocionais, receiam envolver-se com alguém pois pensam já conhecer o desfecho. A desconfiança patente nas atitudes destas crianças dificulta muito um envolvimento técnico; no entanto, todos concordaram que deve existir um esforço para que o trabalho realizado seja encarado como um desafio que implica uma constante aprendizagem de formas de estar e de agir com crianças que se enquadram neste perfil.

As nossas “casas” surgem como respostas para as situações de crianças e jovens desprovidos de meio familiar ou cujas problemáticas justificam o afastamento definitivo em relação às famílias de origem. Este tipo de resposta social com carácter prolongado, particularmente os lares para crianças e jovens, espera-se que sejam respostas de “fim de linha”, ou seja, que constituam um recurso a deitar mão quando esgotadas todas as possibilidades de trabalho com a família de origem e com a própria criança ou jovem, no sentido de evitar cortes afectivos cujos efeitos perversos serão dificilmente mensuráveis a curto prazo.

Apesar de tudo, falou-se da família como instituição primária de interacção afectiva e de socialização das crianças, continuando a exercer a função de inserção social que a sociedade atribui a qualquer uma das suas instituições. É importante reconhecer que as famílias de origem das crianças em lares de acolhimento devem ser trabalhadas mas que, na impossibilidade de o fazer, a criança deve ter a oportunidade de preparar o seu futuro com a ajuda de todos aqueles que trabalham nesta área. Não será este afinal o nosso grande papel?"

PVS