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Crianças adoptadas e crianças devolvidas

Ontem num dos telejornais da noite voltou-se a falar sobre as crianças que, em período de pré-adopção, são “devolvidas” às instituições, situação que cria o maior dos perplexos ao comum dos mortais. Os pais esperam tanto tempo e sonham tanto com um filho e depois devolvem-no como se fosse uma encomenda. No mínimo, chocante.

Um olhar mais atento e técnico sobre a construção dos vínculos filiais adoptivos sabe bem que esta situação não é rara e que não depende das boas ou más intenções dos pais adoptivos ou das crianças. Na verdade, construir uma relação não é fácil e existe sempre uma probabilidade de se estabelecerem desencontros mais ou menos irreversíveis. Probabilidade esta que aumenta significativamente com a idade da criança adoptiva e com a história relacional que ela carrega e transporta para a nova família. Não raras vezes observamos crianças que viveram histórias extremamente violentas, marcadas por abusos e negligências, a transportarem de forma “crua” essa mesma violência para a relação com os novos pais. Os pais adoptivos confrontam-se então com uma criança muito diferente da imaginada, principalmente quando existem fantasias por parte dos pais de que a criança ficará grata pela disponibilidade do casal adoptante. As crianças vítimas de maus-tratos com frequência tem dificuldade em manifestar gratidão nos vínculos amorosos; pelo contrário, são crianças que testam o vínculo, forçando-o, esticando-o até ao limite para verificar, no extremo, a sua consistência.

Adoptar crianças vítimas de maus-tratos e com histórias marcadas por violência necessita sempre de um trabalho continuado de apoio à nova família e à construção de novos modelos de vinculação. Abandonar crianças com casais adoptantes numa lógica simplista do tipo "tudo vai correr bem", resulta por vezes num "tudo correu mal".

Fica o conselho de um excelente livro da Tavistock, o "Creating New Families", editado por Caroline Lindsey (disponível para leitura no Google Books aqui).

PVS