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Construção e desconstrução de credibilidade - o peso das redes sociais, dos media e do sentido cívico

Por sugestão de um membro do blog venho aqui partilhar o meu comentário pessoal  (publicado ontem no Facebook) à avalanche de reacções e discussões geradas a partir da intervenção da Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Fome de Lisboa, na entrevista à SIC Notícias:

Tendo trabalhado quatro anos no Banco Alimentar Contra a Fome, em contacto estreito com a presidente, Isabel Jonet, sinto a responsabilidade de partilhar a minha perspectiva relativamente ao que tenho lido e ouvido através da internet. É a minha opinião, baseada, como disse, em quatro anos de trabalho em conjunto, de aprendizagem na dedicação a uma causa.

O Banco Alimentar Contra a Fome e o seu espantoso crescimento deve-se, concordo a 100% com alguns comentários que li, ao espírito solidário dos portugueses, à nossa raça de entre-ajuda e de “dar o corpo ao manifesto” a favor das nossas comunidades. O Banco Alimentar Contra a Fome, como comprova a nossa participação em peso, é de todos e para todos. Por isso aderimos até agora e acredito que a adesão vai continuar a crescer. Porque o essencial, o que nos move, é a luta contra a fome, a luta contra a discriminação e a injustiça social e isso não pode, acho que aqui concordamos todos, nunca parar. Podem dizer, “há outros meios para lá chegar”. Até agora, em Portugal nunca vi via tão eficaz que tenha merecido tanta credibilidade (graças a uma construção passo a passo que começou há mais de 20 anos e que conta com a participação de cada cidadão). O Banco Alimentar Contra a Fome, o modo transparente como distribui os bens doados pelas famílias que têm menos condições para os comprar, pelo qual até agora temos vestido a camisola e nos sentimos responsáveis e orgulhosos, não deve ser prejudicado, para bem de todos...

Efectivamente, a organização não existe separada da sua direcção e principalmente da sua presidente. É de certa maneira sua expressão.

Quem conhece a Isabel Jonet sabe acima de tudo que o trabalho que tem feito até hoje, com a ajuda de todos, é de uma inestimável dedicação, boa-vontade e compromisso. Não há contas, nem palavras que cheguem aos calcanhares das horas e anos investidos, ao espírito empreendedor, ao ritmo e energia (a mim chegava-me meia-hora de conversa no escritório – interrompida por vários telefonemas, recados, pedidos – para ficar desorientada e precisar de descansar). A Isabel é conhecida pessoalmente por muitos e se há coisa que para a qual nunca lhe faltou tempo foi para ouvir quem lhe pede ajuda e de procurar uma resposta, mobilizando recursos que tem à disposição e os que não tem. Por isso continuo a telefonar-lhe sempre que conheço pessoas que estão a passar por situações críticas que me “ultrapassam”, porque confio na sua proactividade, no cuidado e procura de oportunidades/soluções para propor a quem está a passar por dificuldades. (Um parênteses, em modo de exemplo: Se forem ao Banco Alimentar num dia de semana vão encontrar muito movimento e muitas, muitas pessoas que naquele trabalho encontraram um espaço de convivência, onde são úteis e podem tornar aquilo em que são bons a fazer numa mais-valia para muitos, mesmo que seja uma qualidade considerada pelo mercado de trabalho actual como insignificante, naquele contexto tem o maior valor. Por isso, antes dos alimentos chegarem às famílias e às Instituições de Solidariedade Social que os entregam, passam pelas mãos de pessoas incansáveis e generosas que têm falta de comida em casa, ou têm tudo o que precisam, que têm deficiências motoras ou mentais, ou que estão a cumprir medidas educativas como penas de serviço à comunidade, ou “avós” com mais de 70 anos. É este ambiente de integração e trabalho em equipa, sobretudo voluntário, que caracteriza o Banco Alimentar e que é o ambiente que muitos desejamos para a nossa sociedade).

Penso que só de uma equipa movida por consistência e grande transparência é possível desenvolver uma obra de bem tão grande e gerar tanta confiança. Não foi de um dia para o outro, nem em meia dúzia de anos, foram quase tantos anos como os que tenho de vida e acho que não é justo nem construtivo formar uma impressão a partir de uma declaração de 6 minutos. Porque não confrontar com outras tantas declarações, mas melhor que declarações, analisar mais a fundo o trabalho (as acções, iniciativas, benefícios distribuídos…) que tem vindo a ser desenvolvido, sem dúvida, mais uma vez, com a colaboração de todos, mas particularmente pelos voluntários que diariamente tornam o sonho do Banco Alimentar Contra a Fome Possível, motivados pelo exemplo de dedicação da sua presidente.

Todos temos as nossas implicações com os patrões e eu não sou uma excepção! Em quatro anos tive “razões de queixa” mas muito mais razões houve para me sentir agradecida. E os patrões, ainda que sejam a cara das organizações, assim como nós, têm os seus dias melhores e piores. A meu ver, que tenho “fobia” a câmaras, acho que é preciso valor para fazer declarações que ficam para sempre gravadas e são ouvidas por tantas pessoas. A quem é que as palavras nunca atraiçoaram? Só que normalmente "palavras leva-as o vento"... Declarações, mais e menos felizes são parte do nosso dia-a-dia. Aspiramos, cada vez mais, a que os discursos tenham qualidade, sensibilidade e sentido de colaboração, procuramos que sejam coerentes com a prática. E todos os dias tentamos, somamos as nossas declarações e intenções…todos os dias. O balanço e consistência de uma atitude e postura de estar na vida, inevitavelmente, vê-se nas obras, nas pessoas que beneficiamos ou prejudicamos através das nossas atitudes e iniciativas, com as coisas que pomos em prática.

Todos nós desejamos melhor e a sustentar esse desejo está a esperança. Todos nós esperamos de quem nos rodeia oportunidades para mostrarmos que podemos e queremos continuar a tentar crescer…em empatia, na capacidade de ouvir/aprender e desenvolver boas atitudes, movidos por boas causas.

“Há muitos caminhos para chegar a Roma”. Optamos por múltiplas vias e estilos, mas unem-nos os desejos de bem-estar colectivo, de uma sociedade mais justa. Já vai longa a dissertação, acrescento só uma coisa que tenho pensado muito e que acho que remata bem o que tenho tentado expressar… é que aquilo que, em última instância, distingue os resultados das nossas acções é a intenção que pomos nas coisas – procuramos reconhecimento ou o bem-comum?

Este é o meu propósito: ser movida pelo desejo de bem-comum. Desejo para todos.

...

Hoje acordei a pensar…Mesmo tendo tido tempo para preparar o que queria expor, podia ter escolhido outras palavras, houve pontos que não desenvolvi como gostava, havia muito mais a dizer, se calhar não dei a entender bem o meu ponto de vista... E depois pensava: qualquer declaração pública presta-se a ser criticada. E ocorria-me: só não é julgado quem não tenta fazer nada. Não nos metam medo as críticas.

MM